Conheça a trajetória do motor AP, que esteve presente em grandes momentos da história da marca alemã no Brasil
Texto: Evandro Enoshita
De 1985 até o encerramento da produção do Gol “G4”, em 2013, o motor AP equipou praticamente todos os modelos da linha brasileira de carros Volkswagen, ficando de fora apenas do Fusca. Mas apesar de já ter sido aposentado pela marca alemã, o AP é lembrado até hoje pelos fãs de automóveis como um dos melhores propulsores já produzidos no Brasil, elogiado pela sua combinação de robustez, simplicidade mecânica e bom desempenho.
A história de sucesso do motor AP começou alguns anos antes, na Alemanha, onde esta família de propulsores é conhecida pelo nome de EA827. Lançado em 1972, no Audi 80, esse motor era resultado de um projeto iniciado nos anos 1960, quando a Audi ainda era parte da Mercedes-Benz e a estrela queria uma nova linha de motores de quatro cilindros para a marca das quatro argolas. Esta nova família deveria ser simples de produzir e ao mesmo tempo avançada tecnologicamente, trazendo novidades para a época como o comando de válvulas no cabeçote e correia dentada de borracha no lugar da corrente metálica.
Foi esse mesmo motor que chegou ao Brasil dois anos depois, com o lançamento do Volkswagen Passat. Nesta primeira geração, seria chamado no Brasil de motor BR (1.5 de 65 cv) e BS (1.6 de 80 cv). Em 1982, o EA827 brasileiro passou pela sua primeira atualização e agora era conhecido como MD, disponível nas variações 270 (1.6, para Gol, Passat, Voyage e Parati) e 280 (1.8, no Passat, Santana e Gol GT 1984), tendo recebido novos pistões e novo comando de válvulas, além de outras pequenas alterações.
O propulsor só passaria a ser conhecido como motor AP na sua terceira atualização, lançada no mercado brasileiro em 1985. Vale destacar que essa designação (que significava Alta Performance) só foi usada para fins de publicidade. Do ponto de vista de nomenclatura técnica, a Volkswagen seguia chamando o motor de EA827. Na ocasião, a Volkswagen adotou novos pistões, bielas mais longas e novos comandos de válvula, que além do ganho em potência resultaram em um motor com funcionamento menos áspero.
Inicialmente, o motor AP estava disponível nas variações 1.6 (AP-600), 1.8 (AP-800) e 1.8 S (AP-800S). Esses motores traziam o mesmo bloco, cabeçote e bielas, variando em componentes como pistões, virabrequim e comando de válvulas. O AP-800S, por exemplo, trazia o comando “mais bravo” 049G e inicialmente era específico para o Gol GT. As potências (com etanol) variavam entre 85 e 99 cv. Números interessantes para a época, quando poucos motores de carros feitos no Brasil se aproximavam ou ultrapassavam a marca dos 100 cv. Em 1988, a família ganhou uma opção 2.0 (AP-2000), o que provocou também a mudança na denominação do restante da linha (AP-1600 e AP-1800).
O motor AP equipou em seus primeiros anos vários carros hoje cultuados pelos fãs dos Volkswagen, como o luxuoso Santana Executivo e o esportivo Gol GTI, modelo que foi o primeiro nacional injetado, combinando o AP-2000 com um sistema de injeção eletrônica Bosch LE-Jetronic, além dos Volkswagen Fox e Fox Wagon, as variações de Voyage e Parati que eram exportadas para Estados Unidos e Canadá. Foi nessa mesma época que os Ford brasileiros passaram a utilizar o propulsor do fabricante alemão. Reflexo da Autolatina, joint venture formada pelas duas fabricantes na América Latina entre 1987 e 1996. Isso permitiu que o esportivo Escort XR3 recebesse pela primeira vez um conjunto mecânico condizente com o seu visual esportivo, inicialmente o 1.8S e depois o 2.0. Algo que acabou usado pela marca do oval azul como um argumento a mais para vender carro.
Na Alemanha, os motores da família EA827 seguiram evoluindo, ganhando variações sobrealimentada com compressor mecânico e cabeçote de fluxo cruzado. Mas no Brasil, embora a filial local da Volkswagen tenha criado uma exclusiva variação diesel, usada em modelos como a Saveiro e a Kombi, o motor AP foi produzido apenas em sua configuração básica, com cabeçote convencional de 8V. A única exceção entre os VW nacionais foi o Gol GTI 16V. Mas que trazia um 2.0 16V alemão de 141 cv. Mesmo sem mudanças de grande porte como no passado, o motor AP (ou EA827) seguiu firme e forte nos anos 2000. Em 2003, o AP-1600 do Gol Power 1.6 Total Flex foi o primeiro motor usado em um carro feito em série no Brasil a contar com a tecnologia flex de combustível.
A simplicidade do projeto e de manutenção, além da sua robustez, fizeram nascer no Brasil um mercado de componentes de preparação para os motores da família AP, com vários carros — inclusive de outras marcas — recebendo um motor AP turbo. Opção, aliás, que nunca foi oferecida na fábrica pela Volkswagen do Brasil. A receita dessa família de propulsores deu tão certo que as suas diretrizes básicas acabaram sendo seguidas em outras famílias de motores da fabricante alemã.
Um desses propulsores que seguiu a receita básica do EA827 foi o EA111. Também um quatro cilindros com comando de válvulas no cabeçote, mas inicialmente com litragem menor que os motores do Passat, foi lançado na Alemanha em 1974 com o objetivo de equipar os compactos Audi 50 e Volkswagen Polo. No Brasil, essa família de propulsores chegou somente em 1997, já bastante evoluída e com o nome de AT (Alto Torque). Apesar de seguirem as mesmas diretrizes básicas, o motor AP era totalmente diferente do AT, que inicialmente estava disponível apenas na variação 1.0 e com cabeçote de oito e 16 válvulas.
No exterior, o motor AP acabou sucedido pelos propulsores da linha EA 113. Mas no Brasil a Volkswagen optou por dar essa tarefa aos motores da linha AT (ou EA111), que além do 1.0 aspirado ganharia uma variação com turbo (oferecida na primeira metade dos anos 2000 nos modelos Gol e Parati) e um 1.6 8V. Motor que com algumas atualizações segue sendo empregado atualmente nos Fox, Gol, Voyage e Saveiro.