Os motores de baixa cilindrada e grande potência são uma tendência que se consolidou na indústria nos últimos anos, criando a onda do downsizing.
Texto: Evandro Enoshita
Fotos: Divulgação
Durante muitos anos, a potência e torque dos motores dos automóveis esteve atrelado a maiores litragens e números de cilindros. Geralmente um motor “maior” era mais potente que um motor “menor”. Paradigma que perdurou por muito tempo, fazendo com que consumidores muitas vezes rejeitassem um carro 1.0 mesmo que ele fosse mais potente que um 1.8 ou 2.0. Atualmente é cada vez mais comum que mesmo propulsores com um litro de deslocamento sejam capazes de desenvolver mais de 100 cv de potência. Marca que há alguns anos só era atingida por propulsores com o dobro da litragem. Essa prática de produzir motores pequenos e ao mesmo tempo de bom desempenho é que recebe na indústria o nome de downsizing.
O termo em inglês, que literalmente pode ser traduzido como redução de tamanho, é reflexo das normas de emissões de poluentes, que de tempos em tempos se tornam cada vez mais restritivas nos principais mercados mundiais de automóveis. Isso exigiu uma mudança de paradigma por parte das montadoras. Não era mais possível “esquecer” do consumo de combustível mesmo em modelos de média ou alta gama.
Para homologar um carro, era preciso desenvolver motores cada vez mais econômicos. Mas como fazer isso sem sacrificar os ganhos em potência e torque, pontos que nunca deixaram de ser um fator de atração para as montadoras conseguirem vender carro? Chegar numa solução para este dilema acabou exigindo um bom investimento financeiro e técnico das montadoras. Motores de quatro cilindros e concepção simples, com cabeçotes de oito válvulas, comando simples e sem variação e aspiração natural, acabaram sendo substituídos por unidades bem mais tecnológicas, que passaram a incorporar tecnologias antes vistas só em carros sofisticados, como a injeção direta de combustível, cabeçotes multiválvula e comando variável.
Mas uma tecnologia chave na viabilização desses motores “downsizing” é a sobrealimentação, principalmente com o uso de turbocompressor. Antes usados apenas em carros esportivos e de competição, devido ao “turbo lag” garantir ganhos em desempenho apenas em rotações mais altas, os turbos acabaram sendo desenvolvidos também para atender a aplicações mais civilizadas, permitindo o seu emprego mesmo em motores de populares e sem pretensões esportivas.
Para o motorista, o reflexo dessas mudanças está nas boas respostas em acelerações e retomadas, mas ao mesmo tempo com baixo consumo de combustível, atingindo marcas antes impensáveis nos motores com a mesma potência mas com maior litragem. No mercado mundial, o exemplo mais claro do que significa o downsizing está sob o capô do Mercedes-AMG A45, que para atingir a marca de 421 cv utiliza um pequeno motor 2.0 turbo, que é atualmente o quatro cilindros de produção em série mais potente do planeta.
Isso permitiu também que um mesmo motor — e não estamos falando de uma família, como nos antigos Volkswagen AP — pudesse ser utilizado em carros de diversos segmentos. No mercado brasileiro, a Volkswagen é um dos fabricantes que levou o downsizing ao pé da letra. O motor 1.4 TSI, de 150 cv, é utilizado em modelos tão distintos quanto o compacto esportivo Polo GTS e o SUV médio Tiguan Allspace, passando pelo sedã médio Jetta e pelo SUV compacto T-Cross. Já a Chevrolet está aposentando em sua linha os antigos motores 1.4 e 1.8 aspirados de quatro cilindros da “Família I” pelos novos 1.0 e 1.2 turbo de três cilindros.
Esportivos e de luxo
Mas o downsizing não é algo exclusivo dos carros mais acessíveis. Mesmo esportivos e modelos de alto luxo, restritos a um público bem exclusivo, também passaram (e ainda passam) por esse processo de encolhimento de tamanho. É o caso da Ferrari Roma, um cupê lançado no ano passado para substituir o modelo 612 Scaglietti, que trocou o motor 5.7 V12 de 540 cv do seu antecessor por um novo 3.9 V8 biturbo de 620 cv. Já a britânica Bentley foi menos radical, mas aposentou o antigo 6.8 V8 aspirado, surgido de um projeto nascido nos anos 1950, que desenvolvia 512 cv, por um novo 4.0 V8 biturbo de 550 cv.
Nos Estados Unidos, país que ainda é bastante conhecido pelos seus carros e picapes equipados com enormes motores V8 a gasolina, o público já está se rendendo ao downsizing. O icônico Ford Mustang conta em sua gama com um propulsor 2.3 turbo e 314 cv, cuja procura acabou fazendo com que a marca do oval desistisse de oferecer o 3.7 V6 aspirado, que mesmo sendo maior era menos potente que o quatro cilindros da família EcoBoost. Já o seu concorrente Chevrolet Camaro conta na linha com um 2.0 turbo de 279 cv.
Downsizing e os híbridos
Com as normas de emissões se tornando cada vez mais restritivas, os fabricantes enxergam o downsizing como uma medida de curto prazo antes de se renderem à produção em massa de automóveis 100% elétricos. Já outras, como a japonesa Toyota, preferiram apostar diretamente em modelos híbridos como um passo intermediário para os veículos de emissão zero.
Ainda não dá para saber quem vai ser o vencedor dessa guerra de estratégias, mas os motores menores e sobrealimentados estão sendo utilizados também por alguns fabricantes para acelerar a criação de modelos híbridos cada vez mais interessantes para o consumidor.
Um exemplo disso está nos modelos da Volvo, entre eles os SUV de luxo XC90. Maior utilitário esportivo da marca sueca — que no Brasil custa quase R$ 500 mil em sua configuração Recharge R-Design Plug-in Hybrid T8 — combina um motor elétrico a um pequeno e potente 2.0 turbo a gasolina para desenvolver interessantes 407 cv de potência. Efeitos do progresso…