Conheça a trajetória do propulsor de cilindros opostos, conhecido como motor boxer, e que segue presente até em carros esportivos atuais.
Texto: Evandro Enoshita
Fotos: Divulgação
Embora tenha ficado famoso pelo seu uso no VW Fusca, o motor boxer já tinha bons anos de história quando foi escolhido pelo engenheiro austríaco Ferdinand Porsche nos anos 1930 para equipar o famoso ‘besouro”. Este tipo de propulsor foi inventado em 1897 pelo alemão Karl Benz, o mesmo que ficou conhecido pela criação do primeiro carro, o Benz Patent Motorwagen, de 1885.
Nesses tempos pré-linha de montagem, os carros ainda eram uma raridade. Mas já existia uma demanda por mais potência, o que levou o engenheiro alemão a iniciar estudos para a produção de motores com dois ou mais cilindros. O primeiro protótipo resultou em um propulsor com dois cilindros em linha. Mas Benz também apresentou um motor com dois cilindros opostos, que foi aplicado inicialmente em um ônibus e em 1899 foi lançado no carro de passeio Benz Dos-à-Dos. Em variações de 1,7 e 2,7 litros e potência de 5 e 8 cv, respectivamente, o motor ficava posicionado entre os bancos dianteiro e traseiro, que eram posicionados de costas um para o outro.
Características do motor boxer
Um motor boxer é, basicamente, um motor em “V” em disposição plana. Mas diferente do “V”, apesar de utilizar um mesmo virabrequim, nesta configuração cada cilindro é ligeiramente desalinhado em relação ao cilindro oposto. Em funcionamento, os pistões trabalham como se fosse um boxeador tocando as luvas de um adversário antes de uma luta, característica que explica a origem do apelido.
Além da vantagem do centro de gravidade mais baixo e da configuração mais curta e larga do que em um motor “em pé”, outra característica desse tipo de propulsor é o funcionamento com menos vibrações, com os efeitos da combustão de uma bancada sendo anulados pela queima do combustível no outro lado. A disposição plana dos componentes, com boa parte das peças dispostas em uma superfície larga, ainda favorece a utilização de um sistema de arrefecimento a ar, o que explica o fato de boa parte dos boxers pioneiros terem adotado inicialmente esta solução. Por outro lado, um serviço de manutenção dos componentes internos ou até a troca de uma vela é mais trabalhoso e pode exigir a retirada completa do motor do veículo. Outro problema é o consumo de lubrificante e de combustível mais elevados do que em um motor em linha ou em V de cilindrada e potência equivalentes.
A Benz seguiria utilizando o motor de cilindros opostos até 1902, quando decidiu abandonar a configuração e adotar motores em linha posicionados sob um capô dianteiro. Como na maioria dos carros atuais. Mas este tipo de propulsor boxer não foi esquecido. Nos anos seguintes, acabou se popularizando nos aviões e também nas motocicletas, aplicações nas quais as suas características eram melhor aproveitadas.
No mundo dos carros, um fabricante que voltou a apostar nos motores planos foi a Tatra, da então Tchecoslováquia, que lançou em 1923 o modelo 11. Neste carro, o 1.1 boxer na dianteira funcionava como parte da estrutura do veículo. Nos anos seguintes, a empresa ficaria conhecida pelas suas soluções técnicas inovadoras e pelo uso de motores boxer. Em 1936, a Tatra lançou o modelo 97, que trazia uma carroceria arredondada de linhas aerodinâmicas e um motor boxer de quatro cilindros refrigerado a ar na traseira. Parâmetros que acabariam sendo utilizados por Ferdinand Porsche para desenvolver o VW Fusca. O que inclusive daria origem a disputas judiciais entre as duas empresas, que somente seriam resolvidas nos anos 1960.
O sucesso do boxer no Volkswagen acabou contribuindo direta e indiretamente para que este tipo de propulsor fosse visto em outros carros europeus e até dos Estados Unidos, onde o Chevrolet Convair dos anos 1960 usava um propulsor de seis cilindros opostos e refrigeração a ar. Nos VW, o boxer de quatro cilindros a ar seria o único tipo de motor disponível até o surgimento na Alemanha do modelo K70, em 1970, que começou a marcar o abandono dessa configuração pela empresa. O fabricante alemão chegou a usar na Europa uma versão a água do boxer. Mas ela sairia de cena definitivamente em 1992.
Motor boxer e os dias atuais
Embora a partir dos anos 1970 grande parte dos fabricantes começassem a trocar o motor plano por outros em linha e em V, a configuração segue viva nos dias atuais nas mãos de duas fábricas que são bastante conhecidas por seus modelos esportivos.
A primeira delas é a Porsche, que começou utilizando o boxer da Volkswagen mas pouco tempo depois já construía motores próprios nesta mesma configuração e com muito mais potência. A marca alemã manteve a refrigeração a ar em seus motores até 1998, quando produziu o último 911 da geração 993. Na ocasião, o motor 3.6 de seis cilindros da versão Turbo S desenvolvia 450 cv. Desde então, a marca passou a adotar em seus modelos motores com refrigeração líquida de quatro e seis cilindros. Mas ainda com disposição plana.
Já a japonesa Subaru adotou um motor boxer pela primeira vez em 1971, no modelo Leone, e desde então essa configuração segue presente em boa parte dos modelos do fabricante, inclusive propagandeada como parte do DNA da marca. Além de carros relativamente pacatos, como o sedã grande Legacy, o bloco de cilindros opostos de segue vivo no cupê esportivo BRZ, que utiliza um propulsor de quatro cilindros e 231 cv, e até no sistema híbrido-leve e-Boxer, em que um pequeno motor elétrico fornece torque adicional em situações de alta demanda.
2 Comments
Vc poderia me indicar livros sobre o funcionamento do motor do Fusca? Em português, por favor!
Oi, Katia! Então, não conheço nenhum outro material nesse sentido em português que não seja o próprio manual de reparação do VW Fusca. Você consegue encontrá-lo com certa facilidade na internet.